Amor e Boa Vontade
Estava aqui, como qualquer ser humano normal, vendo vídeos no YouTube, quando me deparei com este vídeo do professor Clóvis de Barros Filho sobre o livro Fundamentos da Metafísica dos Costumes, de Immanuel Kant. Com o peito cheio de brio, baixei o livro e li. Não foi fácil, mas foi uma das melhores experiências intelectuais que já tive na vida.
(veja o vídeo e depois volte aqui)
"A inteligência, o dom de apreender as semelhanças das coisas, a faculdade de julgar, e os demais talentos do espírito, seja qual for o nome que se lhes dê, ou a coragem, a decisão, a perseverança nos propósitos, como qualidades do temperamento, são sem dúvida, sob múltiplos respeitos, coisas boas e apetecíveis; podem entanto estes dons da natureza tornar-se extremamente maus e prejudiciais, se não for a boa vontade que deles deve servir-se e cuja especial disposição se denomina caráter. O mesmo se diga dos dons da fortuna. O poder, a riqueza, a honra, a própria saúde e o completo bem-estar e satisfação do próprio estado, em resumo o que se chama felicidade, geram uma confiança em si mesmo que muitas vezes se converte em presunção, quando falta a boa vontade para moderar e fazer convergir para fins universais tanto a imprudência que tais dons exercem sobre a alma como também o princípio da ação. Isto, sem contar que um espectador razoável e imparcial nunca lograria sentir satisfação em ver que tudo corre ininterruptamente segundo os desejos de uma pessoa que não ostenta nenhum vestígio de verdadeira boa vontade; donde parece que a boa vontade constitui a condição indispensável para ser feliz."
Confesso que me emocionei com tamanha sabedoria, não sem antes ler umas dez vezes somente este parágrafo. Quando finalmente entendi, me lembrei de uma passagem de outro sábio do passado que diz mais ou menos assim: "Amai a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo." Kant não cita Deus, mas veja que o princípio é exatamente o mesmo, se traduzirmos a palavra AMOR por BOA VONTADE. Tradução necessária já que a palavra amor foi tão desastradamente distorcida através do tempo. Talvez sem saber disso, Kant teve a brilhante sacada de ressignificar a palavra amor, no entendimento de Jesus, ao mesmo tempo que Jesus continua encantador por sua simplicidade.
Esta experiência me levou a pensar por que se perde tanta energia contrapondo a filosofia e a religião, duas formas de pensar tão significativas e complementares. A Filosofia com a ingrata tarefa de penetrar as inteligências mais duras e a Religião com a sensibilidade de penetrar os corações mais dóceis. É de se lastimar que ambas têm sido relegadas ao esquecimento e até mesmo ao ridículo. Ainda mais lastimável a falência da educação por não estimular a autonomia do pensamento livre e crítico. Hoje tudo se resume a uma briga de torcidas.
Mas, para além de alimentar o ranço (palavra da moda) com a emburralização (esta inventei agora) da sociedade dos nossos tempos, haveremos de celebrar um dia a descoberta do velho sábio que existe dentro de cada um de nós. Haveremos de nos esforçar muito para ao longo de muitos anos descobrir que afinal a vida era muito simples, bastava colocarmos em tudo aquilo que fizermos um pouco de AMOR ou de BOA VONTADE (como queira chamar) e perceber que Jesus e Kant tinham razão. Este será o empreendimento de toda uma vida, porque afinal amar pode ser mais difícil do que ler Kant. Por enquanto só espero ter feito jus ao leite materno. Gratidão, professor Clóvis!
Comentários
Postar um comentário